A Galeria de Exposição Permanente que assinala a reabertura do Museu nacional de Arqueologia e Etnologia constitui, sem dúvida, o mais importante acontecimento da sua história recente – momento tanto mais significativo quanto se tenha presente que sucede a longo período em que o Museu, continuando embora a prestar numerosos serviços a diversos tipos de utilizadores, se encontrou encerrado à generalidade do público.
Todavia, sendo a mais visível expressão do Museu, esta Galeria representa uma pequena parcela da quase centenária instituição que de há muito visitantes nacionais e estrangeiros se habituaram a relacionar com o magnífico espaço monumental dos Jerónimos e a designar simplesmente por “Museu de Belém”.
Fundado em finais do século XIX, mais exactamente em 1893, por José Leite de Vascocellos, o então “Museu Etnográfico Português” foi desde o início marcado pelo espírito e pela época que lhe deram origem. Designado sucessivamente por Museu Etnológico Português (1897-1929), Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcellos (1929-1965) e, finalmente, pela designação que hoje mantém, ele foi durante muito tempo o “museu do homem português” que o seu fundador concebeu e defendeu, na perspectiva de nele realizar a exposição permanente de objectos respectivos a todas as épocas da nossa civilização, desde as mais remotas, para o conhecimento das origens, vida e caracteres do povo português.
Assim se compreende a grande vastidão e diversidade do acervo do Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, distribuído por núcleos por vezes bem diferentes entre si: arqueologia, etnografia, numismática e medalhística, epigrafia pré-latina e latina, escultura, documentação escrita, mosaicos, antropologia física, etc., núcleos a que se acrescentam as notáveis “colecções comparativas”, arqueológicas e etnográficas, constituídas por materiais provenientes dos mais diversos países (com destaque particular para o núcleo do Antigo Egipto), e os não menos importantes legados e doações que tanto têm enriquecido o Museu.
A progressiva especialização e separação metodológica entre as várias disciplinas envolvidas na inicial concepção do Museu, aliada aos centros de interesse e às atividades privilegiadas pelos seus sucessivos directores, com especial relevo para o imenso trabalho de campo de Manuel Heleno, sucessor do fundador, trabalho esse continuado por D. Fernando de Almeida, tudo foram factores que levaram a componente arqueológica a ganhar preponderância sobre todas as outras. Hoje, o Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia é sobretudo um museu de arqueologia, ponto de referência central e obrigatório desta disciplina no País e no estrangeiro. Porém, à dimensão algo estática dos objectos, tem o Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia procurado, desde sempre, acrescentar a visão dinâmica que decorre da sua adequada integração histórico-antropológica, fornecendo-lhes os enquadramentos imprescindíveis à sua plena fruição cultural.
A consciência deste aspecto conduziu, especialmente desde 1980, com o Museu encerrado ou apenas aberto para a apresentação de exposições temporárias, à execução de um vasto programa de reestruturação geral, prioritariamente orientado para a reorganização dos diferentes núcleos e colecções – o que, designadamente, implicou a realização de uma verdadeira “escavação arqueológica” no imenso acervo acumulado ao longo dos anos. Paralelamente, as instalações sofreram completa remodelação, de acordo com um modelo coerente de aproveitamento dos espaços disponíveis e de modernização dos diferentes sectores e serviços: áreas de materiais em reserva, espaços laboratoriais, gabinetes de apoio técnico, salas de arquivo, de investigação interna e externa, de leitura, etc. Também a biblioteca, uma das mais importantes do País no seu género, foi reorganizada e substancialmente enriquecida, em grande parte graças à permuta com a revista do Museu, “O Arqueólogo Português”, fundada em 1895.
A atual Galeria de Exposição Permanente decorre não apenas do “esforço de bastidores” atrás esboçado, mas também, na sua configuração concreta, nas opções museográficas e científicas que encerra, de um incontornável compromisso entre as características arquitectónicas e dimensão do espaço físico disponível e a vastidão, variedade, representatividade e estado de conservação das colecções susceptíveis de nela figurarem.
Tomada uma primeira opção de elaborar um percurso expositivo, com base nas colecções do Museu desde os mais antigos vestígios de ocupação humana até ao final da Época Romana, no território português, houve ainda assim que limitar a brevíssimas sínteses a apresentação de alguns espólios mais representativos, assumindo linearmente no espaço um discurso que reflete a progressiva aceleração do tempo de sobrevivência das diferentes sociedades humanas.
Fruto de um trabalho de equipa que a sua apresentação pública avaliará e corrigirá, a Galeria de Exposição Permanente do Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia representa uma leitura necessariamente datada do que foi o passado na nossa terra, das suas raízes etno-históricas e das reminiscências que os movimentados tempos actuais delas conservam. No difícil percurso da sua concepção, adopção, construção, montagem e acompanhamento, merece, finalmente ser realçada a indelével marca de Adília Alarcão que, em todas as ocasiões, e em particular nas mais difíceis, no momento solitário da decisão, esteve presente, com a sua experiência e amizade. Mas cumpre também não deixar de sublinhar o inestimável contributo de todos aqueles que, por forma directa ou indirecta, e a diversos níveis, estiveram associados a este projecto, muito especialmente os funcionários do Museu, sem os quais ele não poderia ter sido cumprido, e o empenhado interesse e apoio a ele prestado pelo Instituto Português do Património Cultural.
O Director
Francisco J. S. Alves
[Lisboa, 1989]
► Catálogo "Portugal: Das Origens à Época Romana"
Datas: 16 de outubro de 1989 a 21 de dezembro de 1993 | Local no MNA: Galeria Oriental | Organização institucional: Museu Nacional de Arqueologia | Comissariado científico: Rui Parreira, Adília Alarcão, Francisco Alves, Ana Santos, Luís Raposo e Fernando Real | Tipo de exposição: Permanente