Entrar num bosque, rico de árvores seculares e gigantescas, onde a grandeza dos vegetais causa espanto, e as próprias sombras infundem mistério, era para os antigos (...) fonte de sentimento religioso.
Leite de Vasconcellos, 1905, p.108
O fenómeno religioso, na sua historicidade, tem sido alvo de múltiplas abordagens interpretativas. Recorde-se Frazer e a abrangência comparativista; Lévi-Strauss e os arquétipos estruturalistas; Dumézil e os esquemas funcionalistas; Eliade e a universalidade do simbólico. Porém, nada mais genial do que a breve metáfora engendrada pelo inglês Murray, desde logo adotada e desenvolvida por Dodds no seu irreverente estudo sobre a cultura grega e o irracional: o fenómeno religioso revela-se, em todas as épocas e regiões, como um “conglomerado herdado”. E comenta Dodds: “A metáfora geológica é feliz porque o crescimento religioso é (...) a aglomeração mais do que a substituição”. Por isso, quando hoje estudamos as religiões do passado, não procuramos apenas conhecer melhor as nossas longínquas raízes culturais, antes lidamos com qualquer coisa ainda presente – embora de forma parcelar e, por vezes, subjetiva – na nossa atual vivência como Homo religiosus que (queiramos ou não...) todos somos.
Daí, o inusitado e sempre crescente interesse que desperta, no grande público, a abordagem destes temas. Daí, o esperado êxito da [...] exposição promovida pelo Museu Nacional de Arqueologia, no virar dos milénios, sobre as Religiões da Lusitânia.
Hispania Aeterna e Roma Aeterna. Duas tradições que convergem e se sincretizam por força da Pax Romana. Mas que o Oriente, donde sempre vem a Luz, acaba por “converter”... E o “aglomerado” vai-se avolumando, encobrindo ou evidenciando aqui e além alguns dos seus componentes, mas nada perdendo, tudo armazenando. São forças secretas da Natureza, numina tutelares, divindades várias, heróis deificados, práticas rituais e mágicas, a Vida e a Morte. São textos obscuros, que é preciso decifrar para ler, são objetos e imagens de um passado duas vezes milenar que, após descodificados, se vêm a revelar bem mais presentes do que suporíamos. Será o Tempo uma quimera?
Um nome, por detrás de tudo isto: Leite de Vasconcellos, o grande investigador que, há cem anos, pela primeira vez estudou exaustiva e metodicamente as Religiões da Lusitânia. Uma homenagem? Sem dúvida! Mas, certamente, muito mais do que isso...
José Cardim Ribeiro
Datas: 27 de junho de 2002 > 18 de abril de 2022 | Local no MNA: Galeria Oriental | Organização institucional: Museu Nacional de Arqueologia | Comissariado científico: José Cardim Ribeiro | Tipo de exposição: síntese nacional